ANTROPOLOGIA: Cultura e Humanização (II)

      O homem pelo poder do símbolo, possui uma inteligência abstrata, que lhe permite compreender o mundo em que vive e poder agir de maneira consciente sobre a realidade. Se a linguagem, por meio da representação simbólica e abstrata, permite o distanciamento do homem em relação ao mundo, também é ela que possibilita o seu retorno ao mundo para transformá-lo. Essa ação transformadora da natureza, na qual o próprio se transforme e se autoconstrói é denominada trabalho. Se o trabalho é ação transformadora da realidade, os outros animais não trabalham, mesmo quando sua atividade cria resultados materiais, porque sua ação não é deliberada, intencional e projetada. O trabalho humano é ação dirigida por finalidades consciente, como uma resposta aos desafios da natureza na luta pela sobrevivência. Quando utiliza as técnicas e os saberes que outros homens produziram ou quando inventa outras, criando novos conhecimentos, a ação humana se torna fonte de ideias e ao mesmo tempo experiência propriamente dita.




      O trabalho, ao mesmo tempo em que transforma a natureza, adaptando-a as necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo suas capacidades e potencialidades. Isso significa que, pelo trabalho, o homem se autoproduz. Enquanto o animal permanece sempre o mesmo na sua essência, o homem muda as maneiras pelas quais age sobre o mundo, estabelecendo relações também mutáveis, que por sua vez alteram sua maneira de perceber, de pensar e de sentir. Por ser uma atividade relacional, o trabalho, além de desenvolver habilidades, permite que a convivência não só facilite a aprendizagem e o aperfeiçoamento de instrumentos, técnicas e conhecimentos, mas também desenvolva a espiritualidade humana e enriqueça a afetividade resultante do relacionamento humano: experimentando emoções de expectativa, desejo, alegria, prazer, medo, inveja, frustração, etc. o homem aprende a conhecer a natureza, as pessoas e a si mesmo. O trabalho é, portanto, condição de transcendência e expressão de liberdade que descola o homem da natureza e promove sua humanização. Quando inserido em contextos sociais marcados pela exploração e opressão de uma parcela dos homens sobre os outros, o trabalho, pelo contrário será fator de desumanização.
     
      Enquanto a animal permanece mergulhado na natureza, o homem é capaz de transformá-la através da cultura. Assim, o mundo resultante da ação humana é um mundo que não podemos chamar de natural, pois se encontra transformado pelo homem. Cultura significa tudo que o homem produz ao construir sua existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais. Se as relações que o homem tem com o mundo são intermediadas pelo símbolo, a cultura é o conjunto de símbolos elaborados por uma comunidade em determinado tempo e lugar. A cultura possibilita um processo de autoliberação progressiva do homem, o que o caracteriza como um ser em mutação, um ser de projeto que se constrói à medida que transcende e que ultrapassa a própria experiência. Sendo assim, o homem não se define por um modelo pronto ou uma determinação que o antecede. Ele não possui uma essência já estabelecida, que o caracterizaria, nem é apenas o que as circunstâncias fizeram dele. Ele é um ser que se lança no mundo, antecipando, por meio de um projeto, a sua ação consciente sobre a realidade. É evidente que essa condição fragiliza o homem, pois ele perde a segurança característica da vida animal, em harmonia com a natureza. Dialeticamente, porém, o que representa sua fragilidade é também sua característica mais nobre e elevada, ou seja, a capacidade de se autoconstruir, de produzir sua própria história.

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