AS ORIGENS DO CAPITALISMO

   As Cruzadas em direção ao Oriente, a partir do final do século XI, desencadearam o processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Durante a Baixa Idade Média, ocorreram na Europa várias transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que deram início, de um lado, ao lento processo de desagregação do modo de produção feudal e, de outro, ao nascimento do sistema capitalista. Esse período, denominado “pré-capitalismo”, foi marcado pelo renascimento da atividade comercial e pelo surgimento da burguesia e corresponde à fase embrionária ou de formação do novo sistema econômico. O aprofundamento destas transformações, ao longo da Idade Moderna, culminará na Revolução Industrial e na consolidação do modo de produção capitalista, a partir do século XVIII. 
    De fato, o movimento cruzadista reabriu o Mar Mediterrâneo para o comércio entre a Europa e os mercados do Oriente. As cidades italianas, como Gênova e Veneza, foram as primeiras a lucrar com o rico comércio de especiarias e produtos de luxo feito com Constantinopla e outras cidades do Mediterrâneo Oriental. Em seguida, as rotas comerciais se estenderam além de Gibraltar e se ligaram com as rotas do Mar do Norte, onde a Liga Hanseática, congregando dezenas de cidades, impulsionou ainda mais a atividade mercantil. Pelo Mar Báltico o comércio marítimo chegava até as regiões da Rússia, onde por terra ou pelos rios se atingia o Mar Negro, o que completava um verdadeiro circuito comercial.
    No interior do continente surgiram as feiras, que atraíam mercadores e cambistas de várias regiões do continente. As feiras da região da Champagne, no interior da França, ligavam a próspera região manufatureira da Flandres com as ricas cidades comerciais do norte da Itália. Muitas dessas feiras se tornaram permanentes e originaram novos centros urbanos. Cresceram, também, muitas das velhas cidades que tinham se despovoado no fim do mundo antigo, na época de decadência do Império Romano. Nas cidades, além do comércio, começou a se desenvolver um artesanato especializado e muitas oficinas e lojas foram, aos poucos, se amontoando em suas ruelas. Muitas vezes, as cidades se libertaram da tutela dos senhores feudais comprando “cartas de franquia”, contratando exércitos mercenários ou organizando sua própria milícia.
    O renascimento comercial e urbano que ocorreu na Europa, nessa época, fez emergir dentro da sociedade feudal uma nova classe social, a burguesia, formada por mercadores, artesãos, cambistas e homens livres que foram se instalando ao redor das muralhas de um burgo, que acabou originando uma cidade. Os comerciantes foram se organizando em associações (guildas) que tinham por objetivo monopolizar a atividade comercial, enquanto as corporações de ofício agrupavam os artesãos de acordo com o ramo ou profissão e regulavam a quantidade produzida e a qualidade dos produtos. É importante ressaltar que, naquela época, ainda não existia entre eles um espírito de competição e a busca do lucro contrariava a ética católica.
    Paralelamente às transformações nas cidades, no campo se deu uma verdadeira revolução agrícola, em especial nos séculos XII e XIII, com o desenvolvimento de novas técnicas e a utilização de novos instrumentos. Uma nova forma de atrelar o arado aos animais, instrumentos de metal que voltaram a se difundir, rodízio no uso das terras e fertilização do solo foram alguns dos avanços tecnológicos que, juntamente com uma tendência maior à especialização, fizeram crescer muito a capacidade de produção agrícola. O aumento na produção de alimentos permitiu, por sua vez, um crescimento mais rápido da população, inclusive nas cidades que podiam, agora, ser abastecidas com o excedente produzido no campo.
    O desenvolvimento do comércio e das cidades, conjugado ao avanço das forças produtivas, levou à gradativa dissolução das relações servis de produção e à disseminação de relações de trabalho livres e assalariadas, também no campo. Seja para consumir os produtos de luxo que lhes eram oferecidos, seja para custear guerras ou para cobrir gastos, muitos senhores deixaram de cobrar as antigas obrigações e os tributos feudais, exigindo dos camponeses o pagamento em moeda. Isso abriu caminho para que muitos camponeses se tornassem rendeiros ou (mais raramente) pequenos proprietários. Em outros casos, quando os senhores feudais tentaram aumentar sua renda, intensificando a exploração em moldes tradicionais ou criando novas obrigações os camponeses, muitas vezes, acabaram se rebelando e fugindo em direção às cidades próximas.
    Houve, também, uma tendência lenta, mas irreversível, das terras serem exploradas como empresas agrícolas. Em alguns casos, a propriedade comprada de senhores feudais arruinados passou a ser explorada em moldes capitalistas. Em outras situações os próprios senhores mudaram de atitude, passando a produzir para o mercado com trabalho livre assalariado. De um modo ou de outro, a servidão cedia lugar a novas relações que eram baseadas no dinheiro, o que ampliava o mercado consumidor para uma economia cada vez mais especializada que já não se destinava à auto-suficiência, como predominara no feudalismo. No campo e nas cidades, as relações de produção tipicamente capitalistas ensaiavam seus primeiros passos, embora esse processo tenha se desenrolado em ritmos diferentes em cada parte do continente, sendo mais acelerado nas regiões próximas às rotas de comércio.
    As transformações econômicas e sociais ocorridas durante a Baixa Idade Média se refletiram, no plano político, com um gradativo fortalecimento do poder real, que levou à formação das monarquias nacionais européias. A afirmação de um poder centralizado se tornou uma exigência do nascente capitalismo porque a estrutura política fragmentada e o particularismo feudal entravavam o crescimento do comércio. A burguesia, interessada em reduzir os tributos e pedágios cobrados pelos senhores feudais e precisando padronizar as leis e os sistemas de pesos e medidas, passou a apoiar a centralização do poder político nas mãos do rei. Além disso, um governo centralizado garantiria proteção e segurança para as rotas de comércio e poderia realizar as obras, como portos e estradas, necessárias para a expansão da atividade mercantil.

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