História da Filosofia: O pós-tomismo e o declínio da Escolástica medieval


Nos séculos XII e XIII intensificam-se os conflitos entre o papado e o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. A formação da monarquias nacionais na França e na Inglaterra também enfraquece o poder supranacional que a Igreja procura manter a qualquer custo. Em 1309 ocorre o Cisma do Ocidente, quando o rei da França força a transferência da sede do papado para Avignon, enquanto em Roma um novo papa era eleito. Esses conflitos também se manifestam nas universidades, onde ingressam as ordens dos franciscanos e dominicanos, com o intuito de defender a ortodoxia contra as heresias de dialéticos e averroístas.


SÃO BOAVENTURA (1221-1274), um franciscano, é citado como o primeiro pensador cristão que contestou os mestres dialéticos e a filosofia tomista. Com ele teve início uma reação que procura resgatar a tradição do pensamento platônico agostiniano que embasou a formação do cristianismo. Numa de suas obras, intitulada Itinerário da Alma até Deus, afirma que à razão compete apenas buscar no mundo sensível vestígios ou sinais das idéias perfeitas, o que em última instância é o próprio conhecimento de Deus. A razão deve buscar no mundo das coisas os indícios ou evidências da infinita sabedoria divina.


ROGER BACON (1214-1294) e os franciscanos de Oxford, distanciados das polêmicas dos escolásticos do continente, voltaram suas investigações para outros problemas e tomaram direções mais audaciosas no estudo das questões relacionadas à natureza. Discípulo de ROBERT GROSSETESTE (1170-1253), Bacon formulou a expressão scientia experimentalis e afirmou que as provas da experiência constituem a melhor forma de conhecimento. Em vez de deduções lógicas baseadas em alguma autoridade ou tradição, suas pesquisas utilizam a matemática na investigação dos fenômenos naturais. Por tudo isso, é considerado precursor da ciência moderna embora, rigorosamente falando, o que ele praticasse fosse a alquimia e a astrologia. Foi condenado à prisão pelas suas experiências, apesar de afirmar que buscava apenas, nos segredos das coisas naturais, os segredos das coisas espirituais revelados pela luz divina.


JOHN DUNS SCOTUS (1266-1308) foi um outro franciscano que lecionou em Oxford e Paris e se opôs ao pensamento de Tomás de Aquino. Ele procura resgatar a teologia de qualquer compromisso com a razão, reafirmando a necessidade da aceitação espontânea e incondicional das verdades reveladas. Essa tendência a separar a teologia da filosofia acentuando o caráter gratuito da fé em oposição à racionalidade do conhecimento natural, anuncia o fim da escolástica medieval. De fato, para Duns Scot, não é possível provar racionalmente a existência de Deus ou das verdades reveladas porque a metafísica trata do ser como ser e não pode ter como ponto de partida as coisas do mundo material ou sensível. Segundo ele, a vontade divina é insondável e as verdades reveladas não podem ser demonstradas. A filosofia e a ciência deveriam abandonar a pretensão de desvendar os mistérios da fé, que não são acessíveis à razão.


GUILHERME OCKHAM (1300-1350), professor franciscano de Oxford e defensor intransigente do nominalismo, leva a desconfiança dos teólogos com relação à razão ao seu ponto máximo e com ele se completa o processo de dissolução da escolástica medieval. Ele propõe não só a separação entre a fé e a razão, a teologia e a filosofia mas também a separação entre o poder espiritual e o poder temporal. Guilherme entende que é preciso separar a Igreja do Estado, e distinguir o poder papal do poder do imperador. Esse posicionamento político-filosófico reflete, em nível ideológico, o abalo dos próprios fundamentos que embasaram o mundo feudal, e o início de sua lenta desagregação. As verdades da revelação têm na fé seu único pressuposto e é inútil apelar para a razão para prova-las ou demonstra-las. Por outro lado, filosofia e a ciência ganhavam autonomia para seguir sua própria trajetória no mundo moderno, libertando a razão das questões e dos dogmas religiosos.

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