História da Filosofia: A Filosofia Escolástica Medieval e a "Questão dos Universais"


A QUESTÃO DOS UNIVERSAIS

Uma questão que envolveu intermináveis polêmicas entre os escolásticos foi a relação entre as palavras e as coisas. Isso se explica porque, se a verdade está contida nas Escrituras Sagradas, é preciso conhecer a palavra, seu significado e saber distinguir, por exemplo, quando ela é usada em sentido literal e quando tem apenas um sentido simbólico. Além disso, o estudo da linguagem (trivium) antecedia o exame da realidade das coisas (quatrivium). E como há palavras que designam coisas “que não existem” ou “deixaram de existir”, os pensadores escolásticos passaram a discutir a relação existente entre os conceitos e as coisas a que eles se referem, ou seja, aos universais como dizia Aristóteles. Mais do que um aspecto de cunho simplesmente linguístico ou epistemológico, a questão em torno do “nome da rosa” tinha um caráter teológico-filosófico, ou seja, se as idéias gerais existem ou não em si mesmas. Esse tema, que foi levantado por BOÉCIO (480-524) séculos antes, gerou debates acalorados entre os pensadores escolásticos. Duas grandes correntes posicionaram-se nessa discussão: o realismo e o nominalismo.


SANTO ANSELMO (1033-1109), considerado grande fundador da escolástica medieval, foi um dos defensores do realismo, corrente de pensamento que sustentava a tese da existência efetiva dos universais. Isso quer dizer que eles existem de fato, por si mesmos. Essa existência deve ser entendida no sentido platônico de uma existência separada em relação às coisas, ou no sentido aristotélico de presença nas coisas, isto é, inseparável delas. Foi o bispo de Cantuária quem formulou também uma clássica argumentação escolástica para provar “racionalmente” a existência de Deus que é conhecido como “Argumento Ontológico”.


ROSCELIN DE COMPIÈGNE (1050-1120) foi um dos teólogos defensores da outra corrente, o nominalismo, que considerava os universais como meras palavras. Isso significa que idéias gerais como “homem”, “árvore”, “beleza”, “amor” etc. seriam nomes ou convenções mas sem uma existência real propriamente dita. Resultariam da abstração ou representação que o intelecto faz a partir da percepção de coisas que são sempre individuais.


PEDRO ABELARDO (1079-1142) representa uma terceira posição, o realismo moderado, que procura conciliar as duas correntes antagônicas. Segundo ele, as realidades são sempre singulares mas é possível buscar semelhanças entre os seres individuais que permitem formular conceitos universais. Esses conceitos não seriam nem entidades metafísicas, como diziam os realistas, nem palavras vazias, como sustentavam os nominalistas. Seriam, na verdade, discursos mentais ou categorias lógico-linguísticas que fazem a mediação entre o mundo das idéias e o mundo da existência real do ser.
O aperfeiçoamento da argumentação lógica, que resultou dos exaustivos debates em torno da questão dos universais, estimulou o desenvolvimento de um pensamento racional autônomo com relação à teologia. Abelardo, por exemplo, com sua obra Sim e Não, caracteriza essa situação extrema que submete os dogmas às exigências críticas da dialética e mostra que , em última instância, as próprias autoridades da Igreja entravam em embaraçosa contradição.

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