História da Filosofia: A Patrística e a formação da Doutrina Cristã


A doutrina cristã começou a ser elaborada a partir do século I. A necessidade de expor os princípios e fundamentos do cristianismo para as autoridades romanas, ou de argumentar com persuasão para converter aqueles que ainda eram pagãos, levou a elaboração gradual de uma de idéias e argumentos que no seu conjunto formaram a base da doutrina cristã. Mas ela só foi se definindo claramente a partir do primeiro concílio realizado pela Igreja, que se reuniu em Nicéia em 325. Nos diversos concílios realizados desde então, e também nas bulas lançadas pelos papas foram sendo incorporados outros elementos que no seu conjunto formam a base da religião cristã..
Na medida em que crescia a influência da Igreja e, considerando que no contexto do mundo feudal o clero seria, praticamente, a única parcela instruída da sociedade, essa instituição passou a monopolizar a vida cultural na Europa. Se é natural que tenha preservado grande parte do legado da cultura greco-romana em seus templos e mosteiros, ocorreu, também, que fé cristã tornou-se o pressuposto de toda a produção artística e intelectual que ocorreu a partir de então. Essa herança da cultura pagã foi, portanto, reinterpretada e adaptada aos fundamentos do cristianismo, e a cultura medieval assumiria um caráter essencialmente teocêntrico.
Se ter fé significa adesão e aceitação irrestrita e incondicional das verdades reveladas nas escrituras sagradas, isto significa que qualquer investigação científica ou filosófica aceitável não poderia, de forma alguma, contrariar as verdades estabelecidas e interpretadas pelas autoridades da Igreja. Aos filósofos restava apenas demonstrar racionalmente as verdades da fé. O desafio maior da filosofia cristã foi, então, conciliar as exigências da razão humana com a as verdades da revelação divina.
Nos primeiro tempos, quando o cristianismo ainda sofria perseguições, a preocupação maior dos pensadores cristãos era a de se munir de argumentos racionais e, portanto, persuasivos o bastante para convencer os ainda incrédulos. Esses pensadores perceberam que podiam usar o conhecimento da filosofia grega e a força da sua argumentação lógica como instrumento à serviço da conversão. Entretanto, outros preferiram dispensar a necessidade dessa comprovação racional, chegando mesmo a ver na atitude racional da filosofia e nas suas exigências lógicas uma porta para a dúvida e, logo, para o pecado ou a heresia.
Essas duas situações ocorriam porque, se por um lado, é um absurdo para a filosofia antiga, que sempre concebeu um deus abstrato e indiferente, aceitar a idéia de um deus que ama o homem e se sacrifica por ele, por outro, existem inúmeros pontos de convergência entre a filosofia clássica e o pensamento cristão. A idéia de que no “princípio era o verbo” não coincide com a primazia do logos? E a eternidade da alma? E a idéia do bem e da virtude? Os pensadores dos primeiros tempos do cristianismo teceram, então, uma série de ligações entre os postulados da tradição filosófica e os princípios da fé cristã.


OS APÓSTOLOS E OS PADRES APOLOGISTAS

SÃO PAULO destaca-se entre os apóstolos e pregadores que difundiram as idéias de Cristo no primeiro século, em função da quantidade e do valor literário das epístolas que escreveu. Nos seus textos, coloca várias das questões que são essenciais na ética do cristianismo. Paulo, porém, alertava os cristãos para que ficassem atentos para não serem enganados pela “filosofia, esse erro vazio que segue a tradição dos homens e os elementos do mundo, e não segue cristo”.


CLEMENTE DE ALEXANDRIA (150-215) foi o mais importante dos padres apologistas, assim chamados por terem escrito inúmeras cartas aos imperadores romanos, nos séculos II e III, defendendo ou justificando os princípios do cristianismo. Fez tradução de vários textos e foi responsável pela introdução de uma série de termos gregos, e logo filosóficos, que passaram a ser utilizados no discurso cristão.


SÃO JUSTINO (110-165), foi um típico representante da atitude de muitos pensadores dessa época, que procuram estabelecer uma ponte entre a filosofia pagã e o cristianismo. Se Cristo é o verbo encarnado, pensa ele, então o logos é sabedoria divina e, nesse sentido, todo ser humano, ainda que de maneira incompleta, dela participa. Dos profetas hebreus aos pensadores helenistas, todos teriam em si a presença desse logos, que só se manifestou de maneira completa na figura de Cristo.


TERTULIANO (155-220), por sua vez, representa uma postura exatamente oposta, que não vê possibilidade de conciliar a razão dos filósofos com a fé dos cristãos. Para ele existe uma oposição radical entre a razão humana, que induz ao erro, e a revelação divina, que é fonte da verdade. Os pensadores pagãos, argumenta ele, ou se apropriaram indevidamente de idéias contidas no Antigo Testamento, quando formularam algum conhecimento verdadeiro ou, como precursores dos hereges, simplesmente distorceram a verdade.

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