Sabemos que o homem é um ser da natureza, que é um ser vivo. Um animal
pertencente à classe dos mamíferos, que evoluiu a partir de um ramo da ordem
dos primatas, num processo que teve início há milhões de anos. A família dos hominídeos
também sofreu várias ramificações e de um desses ramos surgiu a espécie homo sapiens. O termo significa que esse
ser é capaz de produzir um conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo que o
cerca, ou seja, é um ser que pode desenvolver uma consciência da realidade.
Essa consciência, porém, não é algo a-histórico, ou seja, ela se transforma com
o próprio homem e o mundo que ele constrói. A consciência que cada indivíduo
desenvolve é condicionada pela cultura na qual ela nasce e é criado. A cultura é
o conjunto de símbolos que cada povo elabora e que media a relação dos homens
entre si e com o meio ambiente.
O homem é um ser que produz cultura. Para
que possamos compreender essa afirmação, consideremos, como ponto de partida, a
condição social do homem, isto é, o fato de que ele é um ser que se constrói
nas relações sociais. Isso significa que não nascemos propriamente humanos, mas
nos tornamos humanos através das relações que, desde o nascimento, se estabelecem
com outras pessoas. Esse processo de humanização se dá, efetivamente, quando
somos, pelo convívio, introduzidos no mundo do símbolo, o que se dá,
normalmente, pela aprendizagem da linguagem. Existe, portanto, uma íntima
relação entre o processo de aquisição e uso da linguagem e o desenvolvimento do
pensamento abstrato. Na verdade, é a inteligência abstrata o que, de fato,
distancia o homem de todos os outros animais e lhe permite criar um patrimônio
material e espiritual que media sua relação com a natureza: esse mundo próprio,
de coisas e significados criados, acumulados e transmitidos pelos homens é o
que chamamos de cultura.
Os animais, de maneira geral, têm sua
ação caracterizada por reflexos e instintos, fundamentalmente. Mas esses atos
não têm história, não se renovam e não promovem mudanças no próprio animal. A
inteligência distingue-se do instinto por sua flexibilidade, já que as
respostas são diferentes conforme a situação e, mesmo porque, variam de indivíduo
para indivíduo. A inteligência concreta, que nós identificamos também nos
macacos, depende da experiência vivida “aqui e agora”. Mesmo consciente de uma
finalidade, o ato inteligente do animal não domina o tempo, pois, a cada
momento em que é executado, esgota-se no seu movimento. Não existe uma
sequência ou continuidade que permita considerar aquilo que ocorreu uma
experiência propriamente dita. Ao desenvolver uma inteligência abstrata, o
homem se tornou um ser capaz de produzir cultura, que resulta do acúmulo de
experiências. A cultura, por sua vez, passa a mediar a relação do homem com o
mundo. Num processo dialético, o homem transforma o meio natural no qual está
inserido e, nessa sua luta para reproduzir sua existência, ela próprio vai se
transformando e se humanizando.
O elemento fundamental da cultura é a
linguagem. A fala distingue, irredutivelmente, o ser humano dos outros animais,
mesmo que eles também utilizem algum tipo de linguagem ou comunicação
biologicamente programada. A diferença entre a linguagem humana e a dos animais
está no fato de que estes podem conhecem o índice, mas não conhecem o símbolo.
O índice está relacionado de forma fixa e única com a coisa a que se refere,
como as frases com que adestramos os cachorros, por exemplo. Os índices indicam
sempre alguma coisa muito específica e a linguagem animal visa somente a
adaptação à uma situação concreta. Por outro lado, a linguagem humana é simbólica
e abstrata. O símbolo é algo universal, convencional, versátil e flexível, que
permite distanciar o homem da experiência vivida, tornando-o capaz de retê-la
na memória e reorganizá-la num outro contexto, numa nova totalidade e dar-lhe
novo sentido. É pela palavra, então, que somos capazes de nos situar no tempo,
lembrando o que ocorreu no passado e projetando o futuro pelo pensamento.
Enquanto os animais vivem sempre no presente, as dimensões humanas se ampliam
para além de cada momento.
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