A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL

   Durante a Idade Moderna, com a “Revolução Comercial” e o aprofundamento das transformações sócio-econômicas que tinham iniciado na Baixa Idade Média, foi se completando a passagem da economia feudal para a economia capitalista. Nessa época se desenrolaram, simultaneamente, dois grandes movimentos que estão profundamente interligados na consolidação do novo sistema econômico. Por um lado, na Europa, se combinaram os três elementos que, articulados, constituem o modo de produção capitalista: a economia de mercado, a propriedade privada dos meios de produção e o trabalho assalariado. Por outro lado, a necessidade de abrir novos mercados e de encontrar novas fontes de metais preciosos lançou os europeus, a partir do século XV, na chamada era da expansão marítima, comercial e colonial ou era das grandes navegações e descobrimentos.

   Essa etapa, conhecida como fase do Capitalismo Comercial, foi marcada pela  “acumulação primitiva do capital” e por uma enorme expansão dos mercados, que deu início ao processo de globalização da economia. Além do comércio e da exploração colonial, o tráfico negreiro e a pilhagem do ouro e da prata encontrados com os povos americanos promoveram uma gigantesca acumulação de riquezas nas mãos da burguesia européia. A partir do século XVI, a formação de imensos impérios coloniais, onde foram montadas estruturas sócio-econômicas atreladas aos interesses mercantis europeus, criou novos mercados que alavancaram ainda mais o comércio e a produção manufatureira européia. Surgiram nessa época, também, as grandes companhias de comércio, enquanto as casas bancárias expandiam seus negócios.

   Portugal e Espanha foram países pioneiros na expansão marítima e colonial devido não tanto à sua posição geográfica favorável, mas principalmente à centralização política que já possuíam e que era uma condição indispensável para reunir os recursos financeiros, tecnológicos e humanos necessários para tal empreendimento. De fato, considerando a envergadura do projeto, somente um governo centralizado poderia articular os segmentos sociais e os interesses econômicos dispostos a nele se engajar. Os portugueses, buscando romper o monopólio italiano do comércio mediterrâneo de especiarias, abriram uma nova rota para o Oriente, contornando o litoral africano pelo Atlântico. Em 1498, a expedição de Vasco da Gama chegava às Índias. Em 1500, a coroa portuguesa tomava posse oficialmente do Brasil e, cerca de duas décadas depois, os portugueses tinham alcançado o litoral da China e do Japão.

   A Espanha, no momento de entusiasmo marcado pela vitória definitiva sobre os árabes na Península Ibérica, financiou, em 1492, a expedição de Cristóvão Colombo que, navegando em sentido contrário ao dos portugueses, acabou descobrindo a América em outubro daquele ano. Buscando ultrapassar o continente americano, a expedição de Fernão de Magalhães, que partiu da Espanha em 1519, realizou a primeira viagem completa ao redor do mundo. Os ingleses e franceses saíram mais tarde na corrida colonial, mas deram seus primeiros passos ainda no século XVI, quando navegadores como Verazzano, Cartier e Caboto fizeram o reconhecimento do litoral da América do Norte. Os holandeses desenvolveram seu poderio naval e instalaram entrepostos e feitorias na África e no Oriente. Assim como os franceses e os ingleses, também conquistaram pequenas possessões nas Antilhas.


   Por outro lado, o capital que vinha se acumulando, até então, na esfera da circulação foi, gradativamente, penetrando no espaço da produção. Isso vale não só para a exploração colonial, mas também para a dinâmica da economia européia. O burguês, que inicialmente conseguiu burlar as restrições impostas pelas corporações de ofício comprando a produção doméstica de famílias camponesas ou de artesãos que ele abastecia com matéria-prima, depois instalou sua própria manufatura, que empregava trabalhadores assalariados, para os quais fornecia também os instrumentos. A produção artesanal foi cedendo lugar, aos poucos, à produção manufatureira, aonde foi se dando uma divisão cada vez maior das tarefas e um aumento correspondente da produtividade.

   O processo, gradual, de apropriação dos meios de produção pela burguesia e pelo setor da nobreza que se “aburguesou” incluiu a expulsão dos camponeses de terras que eram, até então, exploradas em moldes comunais. Esse processo, que na Inglaterra é conhecido como “cercamentos”, empurrou para as cidades uma massa de camponeses que passaram a fornecer mão-de-obra abundante e barata para as manufaturas que se desenvolviam. No campo e nas cidades, portanto, os trabalhadores vão sendo separados dos meios de produção e dos instrumentos necessários para garantir sua subsistência. Para sobreviver, passam a vender no mercado a única coisa que lhes sobrou, isto é, a sua força de trabalho, em troca de um pagamento sob forma de salário. 

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