A PASSAGEM DO MITO À FILOSOFIA

Os mitos são narrativas e ritos, criados pela cultura de um povo, que utilizam elementos simbólicos para explicar a realidade e dar sentido à existência humana. Eles narram, de maneira fantástica, acontecimentos ocorridos num tempo primordial, ou as façanhas de entes sobrenaturais, que fizeram a realidade existir, tal como ela é. Qualquer cultura, por mais primitiva que seja, elabora mitos que dão respostas para questões como a origem do mundo e do homem, dos animais e das plantas, do dia e da noite, do trovão e da chuva, da doença e da morte, das leis e dos costumes, etc. 
As pessoas, de maneira geral, crescem aceitando sem questionar as explicações dadas pelos mitos de sua cultura, não só para a realidade física do mundo e os fenômenos da natureza, mas também para os valores, os papéis e a posição que lhe são determinados nesta ordem social, como se tudo fosse parte de uma ordem natural e inevitável das coisas. A força da mensagem dos mitos parece estar na capacidade que eles têm de sensibilizar estruturas profundas e mesmo inconscientes, do psiquismo humano. Através dos mitos, os homens criam meios para lidar com os desafios que a natureza lhes coloca, gerando uma sensação de amparo ou segurança frente à vida. Eles têm, portanto, um caráter prático e operativo, transmitindo valores e padrões de conduta importantes para a reprodução de uma formação social e sua relação com o meio ambiente. Nesse sentido, as narrativas mitológicas são sempre ricas em metáforas e reflexões sobre os homens e sua condição no mundo, mas são inquestionáveis e incontestáveis.



Mas é justamente por isso, que os estudiosos chegaram a falar de um “milagre grego”, para se referir ao surgimento da filosofia na Grécia Antiga, pois ela nasce do espanto e do questionamento, de uma necessidade de explicar e acalmar uma inquietude que nos toma, quando algo capta nossa atenção. Além disso, os pensadores gregos passaram a explicar a realidade de uma maneira diferente, pelo logos (palavra ou discurso racional) sem atribuir os fenômenos da natureza a forças divinas ou apelando para seres sobrenaturais, ou seja, desacreditando mitos.
Esse novo modo de pensar, racional e lógico, não surgiu, porém, de uma maneira repentina, rompendo bruscamente com as formas de conhecimento do passado. Desenvolveu-se num processo histórico em que, durante um longo período, as crenças mitológicas conviveram com a atitude racional que caracteriza a filosofia propriamente dita. Isso significa que já existia uma coerência e uma “lógica do mito” e que ainda existia um fundo mítico nas reflexões filosóficas, pelo menos num primeiro momento. Além disso, falar de um “milagre grego” também implica esquecer ou minimizar a enorme herança que os gregos receberam das civilizações orientais que os antecederam, e onde eles colheram os fundamentos de suas idéias.

Comentários