A política e as políticas
Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica a palavra “política", uma delas goza de indiscutível unanimidade: a referência ao poder político, à esfera da política institucional. Um deputado ou um órgão de administração pública são políticos para a totalidade das pessoas. Todas as atividades associadas de algum modo à esfera institucional política, e o espaço onde se realizam, também são políticas. Um comício é uma reunião política e um partido é uma associação política, um indivíduo que questiona a ordem institucional pode ser um preso político; as ações do governo, o discurso de um vereador, o voto de um eleitor são políticos.
Mas há um outro conjunto em que a mesma palavra manifesta-se claramente de um modo diverso. Quando se fala da política da Igreja, isto não se refere somente às relações entre a Igreja e as instituições políticas, mas à existência de uma política que se expressa na Igreja em relação a certas questões com a miséria, a violência, etc. Do mesmo modo, a política dos sindicatos não se refere unicamente à política sindical, desenvolvida pelo governo para os sindicatos, mas ás questões que dizem respeito à própria atividade do sindicato em relação aos seus filiados e ao restante da sociedade. A política feminista não se refere apenas ao Estado, mas aos homens e às mulheres em geral. As empresas têm políticas para realizarem determinadas metas no relacionamento com outras empresas, ou com seus empregados. As pessoas, no seu relacionamento cotidiano, desenvolvem políticas para alcançar seus objetivos nas relações de trabalho, de amor ou de lazer, dizer “Você precisa ser mais político” é completamente distinto de dizer “Você precisa se politizar mais”, isto é, “precisa ocupar-se mais da esfera política institucional”.
Da mesma maneira um músico que exclama: “eu sou artista, não entendo de política”, posiciona-se frente à arte engajada, refere-se à política institucional. E pode muito bem, sem incorrer em nenhuma incoerência, continuar: “mas tudo o que eu faço tem profundo sentido político”. Ele está fazendo uma distinção entre o valor político imediato de um comício pelas eleições diretas para Presidente da República, que pretende interferir na estrutura do poder institucional, e o valor político não diretamente institucional do movimento sindical, das comunidades de base da igreja, de uma passeata de estudantes, do movimento gay, de uma invasão de terras, ou de um manifesto cultural.
Não resta dúvida, porém, de que este segundo significado é muito mais vago e impreciso do que o primeiro. A evolução histórica em direção ao gigantismo das Instituições Políticas – o Estado onipresente – é acompanhada de uma politização geral da sociedade em seus mínimos detalhes, por exigir um posicionamento diário frente ao Poder. Mas ao mesmo tempo traz consigo a imposição de normas com que balizar a própria aplicação da palavra política; procurando determinar o que é e o que não é “política”.
Desta forma, oculta-se ao leitor o seu ser político, atribuindo esta qualidade apenas ao eleito. Ou então atribui-se à pessoa um espaço e um tempo determinado para que exerça uma atividade política, na hora das eleições, quando está na tribuna da Câmara do Deputados depois de ter sido eleita, quando senta no palácio para despachar com seus secretários mesmo sem ter sido eleita. A própria delimitação rígida da política constitui, portanto, um produto da história; e este é, sem dúvida, o principal motivo pelo qual não basta ater-se a um significado geral da política, que apagaria todas as figuras com que se apresentou em sua gênese.
Esta delimitação operada pelo nível institucional traz consigo alterações profundas na esfera de valores associados à política. Uma conjuntura institucional insatisfatória, pela corrupção ou pela violência, jamais dissociadas, reflete-se numa desmoralização da atividade política – politicagem – que pode reverter em apatia ou na procura de alternativas extra-institucionais como a luta armada. Ao mesmo tempo, processa-se uma inversão na valorização da atividade política na própria esfera institucional, em que ela deixa de ser um direito, passando apenas a ser um dever e uma responsabilidade. Em outras palavras, à Instituição passa despercebido que a sua também é uma política, assentada na sociedade como uma proposta de participação, representação e direção. Por essa carência de visão de relatividade, instaura-se um normativismo absoluto, ocultando-se assim sua natureza histórica.
Interessa perceber que, apesar de haver um significado predominante, que se impõe em determinadas situações, e que aparece como sendo “a” política, o que existe na verdade são políticas.
(Wolfgang Leo Maar , O que é Política)
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